A história e estratégia de Bitcoin do Michael Saylor
Hoje irei apresentar um dos mais conhecidos bitcoiners do mundo, Michael Saylor. Através de compras via sua empresa (₿ 129.218) e de compras pessoais (₿ 17.732), Saylor controla ₿ 146.950 Bitcoin, equivalentes atualmente a 5.8 bilhões de dólares (BTC a $ 40.000).
Michael Saylor (57 anos de idade) é o CEO da Microstrategy, empresa de inteligência de mercado iniciada por ele em 1989. Nascido em 1965 no Nebraska, Estados Unidos, Saylor passou sua infância morando em bases americanas no exterior, pois sua família era militar. Na adolescência, sua família voltou para os EUA e ele graduou-se do colégio como primeiro da sua classe, além de ter sido escolhido como orador da turma.
Com as boas notas, ele foi para o “Massachusetts Institute of Technology (MIT)”, onde obteve dupla graduação, em “Ciências aeronáutica e astronáutica” e “Ciência, tecnologia e sociedade”. Do MIT ele também se graduou com honras e foi servir na força aérea americana, em 1987. Após o serviço militar, Saylor começou a sua carreira como consultor, com foco na construção de simulações de computador para apoiar a tomada de decisões estratégicas em companhias como Exxon e DuPont. Ele tinha 24 anos de idade quando iniciou a Microstrategy como uma espécie de startup (termos de hoje em dia), e em 9 anos ele abriu o capital da empresa (IPO - Initial Public Offering como é chamado pelos investidores em ações) na Nasdaq, a bolsa de valores especializada em tecnologia nos Estados Unidos.
Em 1999 Michael iniciou a Saylor.org, ONG focada em oferecer educação de ensino superior de forma gratuita. Em 2012 ele publicou “The mobile wave” um livro onde ele previa o crescimento estrondoso das empresas de tecnologia, como Facebook, Amazon, Google e Apple e a maneira como a transformação tecnológica iria afetar a sociedade.
Fiz questão de apresentar a história resumida desse inovador para que seja possível contextualizar a sua tomada de decisão quanto a bitcoin. Como Saylor diz na sua última carta aos investidores da sua empresa: a Microstrategy tem duas estratégias. A primeira é a estratégia de negócio, voltada aos produtos vendidos pela empresa. Vou focar em explicar a segunda estratégia da companhia, que é a estratégia de tesouraria, voltada para a acumulação de bitcoin, iniciada em 11 de agosto de 2020 quando a Microstrategy anunciou publicamente que iria comprar bitcoin pela primeira vez.
A estratégia bitcoin
Quando estourou a pandemia, a empresa de Saylor detinha mais de 500 milhões de dólares em caixa. Era um patrimônio significativo, e ao ver a quantidade de impressão monetária realizada pelos principais bancos centrais do mundo, Michael percebeu um grande dilema: onde ele podia guardar esse patrimônio de maneira que ele não vá ser diluído por parte da avalanche monetária causada pelo Federal Reserve (FED, Banco Central americano)?
Ele avaliou todos os possíveis investimentos para proteger a empresa: recompra de ações, ações de outras empresas, títulos de dívida públicos e privados, fundos de investimento, ouro, commodities e imóveis. Foi durante esta análise que então entendeu uma das principais facetas do sistema monetário vigente: mesmo que o índice oficial de inflação ao consumidor não esteja subindo, o aumento de preços está ocorrendo por toda a parte, especialmente no lado dos ativos (lembrando que isso era agosto/2020). E isto é consequência direta da política monetária ultra agressiva e expansionista praticada pelo FED desde 2008, que dilui todos os dias o poder de compra do dólar para a compra de ativos. Todos os imóveis, ações e outros ativos de renda variável estavam precificados acima do valor de anos atrás apenas por consequência da política estatal. Isso demonstra em uma lógica simples o que é inflação no sentido clássico: perda de poder de compra por parte dos portadores, causada pela expansão da base monetária (quantidade total) da moeda.
Quando percebeu o risco que a empresa dele estava correndo ao segurar tamanho caixa em dólares, Saylor acabou por descobrir o livro “Bitcoin Standard” (O Padrão Bitcoin), escrito pelo economista Saifedean Ammous. Em poucos meses, o empreendedor entendeu a proposta de valor do dinheiro de Satoshi Nakamoto e virou ativista e um dos maiores compradores. Um dos principais argumentos do livro de Ammous que impactou Saylor é a distinção que ele fez sobre as propriedades do Bitcoin versus seus concorrentes, que são principalmente as moedas de curso forçado (fiat) e o ouro.
O metal detém como seu grande trunfo a sua imutabilidade em suas características físicas: é raro na superfície da terra e não é possível criar ouro artificialmente em larga escala. Logo é um ativo monetário que não pode ser inflacionado facilmente, sendo o aumento na quantidade total de ouro uma consequência apenas da mineração, algo custoso e de baixo impacto sobre a quantidade de ouro já existente no mercado. Isso permitiu ao ouro que mantivesse seu poder de compra relativamente estável ao longo de milhares de anos de história humana, ou seja: ouro detém uma qualidade histórica de “carregamento de valor ao longo do tempo (salability across time)”. No entanto, desde a última alta após a crise de 2008, ouro não tem demonstrado uma subida de valor que represente uma equiparação do seu poder de compra em relação à quantidade de dólares que foram impressos nos últimos 14 anos. O período coincide com a criação do Bitcoin. Abaixo, comparação de desempenho entre ouro versus o índice oficial de inflação ao consumidor:
Já no caso das moedas fiat (“faça-se” em latim), como dólar, reais, pesos, bolívares, rublos, euros e outras, elas perdem valor constantemente porque podem ser produzidas em quantidades absurdas livremente. É a instrumentalização política do dinheiro estatal: imprimem-se novas unidades para financiar o estado e pagar as dívidas feitas no governo anterior. Por isso, dinheiro fiat é uma péssima ferramenta para se guardar valor ao longo do tempo. Se você deixar o seu patrimônio estacionado na sua conta corrente ao longo de anos, não restará nada depois de tempo suficiente. A inflação estatal terá consumido tudo. O sistema atual de moedas fiat somente foi possível porque permitiu a troca de capital de forma instantânea, ou seja, o dinheiro de curso forçado tem uma boa capacidade de “carregamento espacial (salability across space)”, pois podemos transmitir capital mundialmente de forma relativamente rápida. Esta é a grande vantagem das moedas fiat comparadas ao ouro, que precisa ser transportado e verificado fisicamente.
E então em 2009 entra na arena da competição monetária um dinheiro que tem verdadeira escassez, já programada e imutável: o Bitcoin. O fato das unidades de bitcoin serem digitais, permitem à moeda o fácil, barato e rápido envio comparado ao seus concorrentes. Mas é na capacidade de carregamento através do tempo que Saylor está apostando. O fato de que somente existirão 21 milhões de unidades, aliado à sua crescente liquidez imediata e global torna o Sistema Bitcoin “energia digital”, conforme Michael faz referência. Por tudo isso, ele não para de comprar mais bitcoin e decidiu transformar a empresa dele em um hodler, ou seja, um acumulador de BTC.
Ataque especulativo contra o dólar
Michael vem usando quase todo o lucro da Microstrategy para comprar mais bitcoin. Ainda assim, essa não foi a principal ferramenta utilizada por ele para acumular BTC. Iniciando com uma compra de 250 milhões de dólares, a Microstrategy hoje detém mais de 5 bilhões de dólares do ativo, comprados ao longo do último ano e meio.
Esmiuçando o gigantesco sistema de crédito que é o padrão monetário de hoje em dia, entendemos que o aumento da base monetária (não lastreado em aumento da produtividade) de uma moeda fiat realizado por um banco central ou banco privado gera uma diluição do poder de compra da respectiva moeda junto aos seus detentores. Simplificando: aumento da quantidade de moeda para a mesma quantidade de bens, serviços e ativos resulta no encarecimento dos respectivos itens.
Foi esse entendimento que fez com que Saylor passasse a endividar a sua empresa usando juros artificialmente baixos proporcionados pelo FED, para comprar mais bitcoin. A atenção do CEO sempre foi em manter uma capacidade de pagamento das obrigações contratadas, e mantida essa regra, passou a comprar bitcoin usando colateral e caixa ao dispor da sua empresa. A sua última compra, realizada no início de abril de 2022, foi de 190 milhões de dólares, executado pela subsidiária da Microstrategy, utilizando seu bitcoin atual como colateral pela primeira vez. Como CEO, Saylor está demonstrando ao mundo abertamente a sua estratégia de acúmulo de tesouro corporativo em BTC. Até o momento, o mercado está favorável à sua iniciativa, com uma valorização superior a 160% do preço da ação da Microstrategy desde agosto de 2020:
Muito mais poderia ser escrito sobre o Saylor, mas vai ficar para uma futura newsletter. Para quem quiser entender melhor as ideias desse bilionário, recomendo essa recente entrevista dele:
São quatro horas de conteúdo totalmente diferente dos investidores tradicionais que lemos nos jornais (e que estão com dificuldade de bater inflação nominal ao consumidor). Se o Michael Saylor estiver certo, ele será uma das pessoas mais ricas da humanidade nas próximas décadas. Vale entender os argumentos desse homem.
Indicadores
Tempo até o próximo halving (28/04/2024): 732 dias
Total de bitcoins minerados: cerca de 19,02 milhões (90,59%)
Total de bitcoins: 21 milhões (ano 2140)
#hodl
Paulo Costa Fuchs
Economista